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Sexting

Como cientistas tentaram reconhecer os bissexuais e erraram feio

Felipe Germano

04/08/2020 04h00

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Você já conhece Atenas, Poseidon, Hades. Mas já ouviu falar de Ganimedes? O cara não era dos mais sábios, não lutava com leões, ou comandava os mortos… mas era lindo. Tão gato que, segundo o mito, sequer os deuses resistiam. Em algumas versões da história nem mesmo o maior deles aguentou o tranco. Zeus se apaixonou pesado por Ganimedes.

Então pera aí, o deus dos raios é gay? Não, claro que não. Não faltam histórias (perturbadoras, inclusive) de Zeus correndo atrás de mulheres. Zeus era bi.

Isso, por si só, já mostra há quanto tempo a bissexualidade é discutida. Além das lendas gregas, a atração por ambos os gêneros também aparece em escrituras japonesas de séculos atrás e rituais indígenas pré-colonização. São pelo menos 3 mil anos de conversa sobre o assunto.

Ainda assim, com milênios de atraso, há quem ainda questione a própria existência dos bissexuais.

Um estudo de 2005, feito pela Universidade Northwestern, é um desses exemplos.

Fica ereto, logo existe

Na ocasião, os pesquisadores selecionaram um grupo de 101 rapazes (30 heterossexuais, 33 bissexuais e 38 homossexuais) e mostraram para eles filmagens de sexo gay e lésbico. A ideia era que eles dissessem quando se sentiam excitados. Ao mesmo tempo um dispositivo media se a circulação sanguínea em volta do pênis aumentava — indicando uma excitação.

Depois dos testes, os pesquisadores disseram:

"Em relação à excitação e atração sexual, ainda não é claro que a bissexualidade masculina existe".

O motivo da dúvida, segundo os envolvidos, foi que a ereção não era vista em todos os casos. Mas e na autoavaliação? Homens que se declararam bis realmente sinalizavam desejo por imagens tanto de homens quanto de mulheres. Mas para os pesquisadores a atração só acontecia quando o pênis se movimentava.

Aí você pode até me falar: "ué, mas os números não mentem. Se não apareceram ereções, então a bissexualidade realmente não existe, certo?". Erradíssimo.

A começar pelo simples fato de que os espectadores podem não ter se sentido excitados especificamente por aqueles vídeos. Ou por aquela forma de consumir conteúdo erótico. Fora isso, tesão e ereção não necessariamente são sinônimos. Pesquisas sobre disfunção erétil já falaram sobre isso.

Duvidar da existência da bissexualidade não faz o menor sentido.

E agora até mesmo J. Michael Bailey, professor que comandou a tal pesquisa de 2005, se convenceu disso.

Um novo estudo do pesquisador, publicado na semana passada, mostrou que suas conclusões antigas estavam, olha só, erradas.

O erro, de acordo com a nova pesquisa, se deu pelo pequeno número de entrevistados anteriormente. Agora, com uma amostragem maior, com mais de 500 voluntários, a equipe de cientistas finalmente acreditou que homens podem sentir atração por homens e mulheres.

Mesmo baseando-se nessa lógica frágil apoiada em medidores de pênis.

Mas pesquisas citadas não são nem de longe as únicas que colocam a bissexualidade em xeque.

Os bis e cientistas têm um histórico longo e complicado.

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Seu passado me condena

Cientistas questionam bissexuais desde que o sexo começou a ir ao laboratório.

Em 1886, Richard von Krafft-Ebing, psiquiatra pioneiro no estudo sexual chegou a afirmar que comportamentos bissexuais existiam –mas em homens héteros e gays– e por razões que fugiam à orientação sexual. Como homens gays que transavam com mulheres por pressão social.

A situação mudou um pouco de figura em 1948, quando Alfred Kinsey pensou em sua escala. Segundo ele, exista um espectro, onde você não precisa ser necessariamente hétero ou gay.

"Homens não representam dois grupos, hétero e homossexual. O mundo não é dividido entre ovelhas e bodes. Nem tudo é completamente branco ou preto", afirmou na época.

Ainda assim, nos últimos 50 anos pesquisas apareceram para tentar provar que Kinsey estava certo, ou errado, e os bis acabavam na mira. Em geral, elas utilizavam essa mesma técnica de Bailey, medindo o sangue de pênis alheios. Em 1979, por exemplo, a Universidade da Georgia publicou um artigo nessa linha.

O grande volume de pesquisas sobre o assunto, inclusive, já havia mostrado anteriormente que a bissexualidade existe sim. Em 2012 a própria Universidade de Northwestern já havia publicado sobre isso. Em 2019 a britânica Universidade de Essex fez o mesmo.

Estudos, vale dizer, que focam quase sempre em homens.

A bissexualidade feminina não é questionada da mesma maneira que a masculina. Mesmo Krafft-Ebing não duvidava que mulheres podem gostar dos dois gêneros.

Alguns estudos indicam que culpa disso é o machismo. Afinal, se o homem tem que se manter másculo. qualquer coisa que seja considerada um desvio disso inevitavelmente lhe coloca na caixinha gay da sociedade –que, vale ressaltar, não é ofensiva. Mas é errônea.

Bi, e daí?

Bissexuais existem. E ninguém precisava medir a circulação de sangue para descobrir isso.

Pesquisas sobre o assunto podem e, claro, devem existir. Mas jamais para apagar uma identidade sexual inteira.

A ciência tem que questionar, claro. Mas não ignorar o que seres humanos falam ou sentem, independente se essa pessoa está ou não com um volume extra entre as pernas.

Até porque, meu Zeus, isso é o que menos importa.

Sobre o Autor

Felipe Germano é jornalista que escreve sobre Comportamento Humano, Saúde, Tecnologia e Cultura Pop. Para encontrar as boas histórias que procura contar, atravessa o planeta: visitou de clubes de swing e banheiros do sexo paulistanos à sets de cinema hollywoodianos. Trabalhou nas redações da rádio Jovem Pan, site Elástica, Revista Época e Revista Superinteressante - e agora colabora com o UOL.

Sobre o Blog

Sexo é o que há de mais antigo nesse planeta, e tecnologia nos traz o que há de mais moderno. Mesmo sem saber quem foi nosso antepassado mais antigo, dá para cravar: ele transava. Mas se engana quem acha que o sexo não mudou nada desde a primeira vez. A tecnologia evoluiu, e com ela nossos hábitos na cama (ou no chão, ou no celular...). Mas dá para juntar tudo, e divertir-se. Muito prazer, esse é o Sexting.